sábado, 13 de junho de 2015

O Caput é o QG da juventude


                                                  [um relato de possessão demoníaca]


Quarta-feira tivemos um episódio diferente no CAPUT. Da recepção era possível escutar os grunhidos e impropérios do "diabo": era um adolescente "possuído". F. veio caminhando com dificuldades, se contorcendo, gritando, em um sofrimento que, claramente, tomava-lhe o corpo todo. Curiosamente, ao chegar à porta do CAPUT, ele se jogou ao chão. Como um soldado ferido, em meio à guerra do asfalto, e entre os projéteis do olhar fulminante do Outro, ele veio em direção a um bunker, um quartel general. De alguma maneira precisava de um lugar seguro, um lugar de proteção.
No CAPUT, F. podia "se manifestar", já não era preciso mais resistir. Contorceu-se no chão, gritou, esbravejou, trocou de voz. De bruços, com as mãos para trás como se estivesse algemado. Ele disse, algo envergonhado, que "estava lutando contra o diabo lá no ônibus" e que precisava vir para cá.
A trágica beleza da cena é a blindagem simbólica que o CAPUT, como espaço da singularidade de cada sujeito, dá ao adolescente. Medicado e escutado, ele foi se acalmando. O CAPUT é um lugar de proteção ("não é com você que tô falando isso não, viu?", assegura F. a seu psicólogo, "é com o diabo"), é um lugar onde F. "faz conversa", segundo ele. Conversa para não ficar doido ("estou ficando doido? faz exame médico em mim pra ver se estou")
Entre impropérios, pediu para escutar música. Não disse qual, mas pediu que fosse "de amor" (a crise dissociativa parece ter sido desencadeada por uma briga com a namorada que estaria "olhando diferente" para ele). "É o amor", do Zezé di Camargo, foi a música escolhida. F. chorou convulsivamente. Uma boa dose de Haldol, transferência e Zezé di Camargo: o CAPUT é um lugar de amor.
Depois de dormir, quis ir embora. Estava mais calmo. Tinha hora para voltar para a casa de semiliberdade onde cumpre medida socioeducativa. Não quis companhia, foi de ônibus. "Amanhã eu posso vir, então?", perguntou. "Sim", foi a resposta da equipe, "estaremos te esperando aqui".
Retornou na manhã seguinte: "não vou tomar mais remédio; vocês me doparam e eu não sou doido!". O psiquiatra, Jorge, lhe pediu desculpas: "F. nós erramos a mão, pedimos desculpas pelo nosso erro; precisamos que você conte o que você sentiu para evitar outro vacilo desses". Ele riu, pegando na mão (a que errou?) do psiquiatra: "tá bom, desculpo vocês, vocês erraram ontem, mas esse remédio aqui, que vocês falaram ser o certo, eu vou tomar. Preciso de um remédio para me dar ânimo". Biperideno, elevado à categoria de "remédio dos ânimos", lhe foi administrado.
Na saída, cismou com a recepcionista: "você está diferente...está me olhando diferente". O psicólogo, Vinícius, não teve dúvida quanto à intervenção - "Ela tá é alegre, F.! O time dela ganhou ontem, o Cruzeiro". Deslocou-se a posição de um Outro persecutório. Ele também torce para o Cruzeiro. Foi embora rindo.
Mesmo dissociado, e em crise, F. utilizou-se do aparato simbólico oferecido pelo CAPUT. Pela transferência, pelo espaço seguro da casa, pela música de amor, pela conversa: um Eu clivado, seccionado, se recola, bricola, com a cola do Haldol e a resina da transferência.
O CAPUT tem lugar para menino endemoniado.

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